sexta-feira, 2 de abril de 2010

A Constituição Federal pede socorro

O artigo 102 da Constituição Federal atribui ao Supremo Tribunal Federal a tarefa de guardião da nossa Carta Política. Significa dizer que cabe-lhe zelar pela observância de tudo aquilo que lá se encontra escrito, em especial pelos direitos fundamentais por ela assegurados aos cidadãos brasileiros; não é por outra razão que o mesmo artigo outorga à Suprema Corte a competência de julgar ações diretas em que se decide pela constitucionalidade ou não de um ato, de uma lei; existe até uma delas específica para anular atos que representem descumprimento da Constituição: a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Nessa mesma competência atribuída pela Constituição ao Supremo, encontra-se também o julgamento de uma espécie de recurso judicial, chamado de recurso extraordinário, do qual pode se valer qualquer uma das partes de um processo, para ver reexaminada pelo STF uma decisão de juiz ou tribunal que se mostre contrária à Constituição.

Porém, um ato do Poder Legislativo denominado de emenda à Constituição, introduziu, em 2005, uma inovação na nossa Carta Magna – o parágrafo terceiro do artigo 102 – que autorizou o Supremo a julgar apenas os recursos extraordinários em que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral. Trocando em miúdos, essa disposição permite que o Supremo Tribunal Federal se recuse a julgar um recurso extraordinário quando seus ministros entenderem que a violação ao direito assegurado constitucionalmente, discutida no recurso, não prejudica outras pessoas ou segmentos da sociedade, mas apenas (???) o recorrente. Nestes casos, o recurso é rejeitado, por “ausência de repercussão geral” e a inconstitucionalidade da decisão impugnada não chega a ser examinada; essa nova sistemática possibilita, ainda, que o Supremo vá definindo, a partir de julgamentos realizados, quais as questões constitucionais que são revestidas de repercussão geral e quais aquelas que não são.

Essa nova realidade, por si só, já produz no cidadão uma grande frustração, ao saber que não se consegue, na Suprema Corte do País, o reexame de uma decisão proferida contra si por um juiz ou tribunal, ainda que claramente inconstitucional, se o Supremo não vislumbrar, ali, a chamada repercussão geral.

E a frustração não pára aí. O Supremo Tribunal Federal decidiu, recentemente, que não existe repercussão geral quando, em um recurso, o cidadão ataca decisão judicial por desrespeito aos direitos fundamentais à isonomia, à ampla defesa, ao devido processo legal, à preservação do ato jurídico perfeito, da coisa julgada e do direito adquirido.

Em resumo, muito embora a Constituição Federal assegure uma série de chamados direitos e garantias individuais – e que são considerados imutáveis e irrevogáveis, segundo a própria Constituição – o cidadão não conseguirá reverter, na Corte guardiã da Constituição, uma decisão judicial que lhe tenha violado ou negado, individualmente, tais direitos e garantias, especialmente aqueles citados acima.

Então, quem é que vai nos garantir o cumprimento da Constituição?

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Chamem a polícia, por favor!

Se você tiver seu veículo envolvido em um acidente de trânsito sem vítimas, para o qual não contribuiu, prepare-se para arcar com os prejuízos, a não ser que o outro envolvido seja pessoa honesta e bem intencionada ou que você falte com a verdade ao chamar a polícia ou a autoridade de trânsito, fingindo ter sofrido alguma lesão. É que, em várias das cidades brasileiras, nem a polícia, nem o departamento de trânsito, atendem a ocorrências desse tipo; mesmo onde existe a chamada “justiça volante” (uma unidade móvel do Poder Judiciário destinada solucionar esse tipo de demanda no próprio local ou dar início a um procedimento judicial sumário), este serviço somente é prestado quando você, ao solicitá-lo, garante que todas as partes envolvidas permanecerão no local até a chegada da viatura; sem isso, o atendimento nem é deflagrado ou, se for, a unidade se retira do local sem nada registrar.

Nestes casos, você tem de procurar um Distrito Policial e registrar a ocorrência (alguns estados e o Distrito Federal oferecem a possibilidade de fazê-lo pela internet); mas, como os dados para este registro são fornecidos unilateralmente, a autoridade policial não se responsabiliza pela sua veracidade, o que dificulta a comprovação em eventual ação judicial, a não ser que você tenha conseguido colher, no momento do acidente, os dados pessoais de pessoas que presenciaram a cena e que se disponham a depor em juízo, o que, como todos sabem, é muito difícil.

Conclusão: adote as suas próprias medidas, pois não é possível contar com o Estado, também para situações como esta.

Pra início de conversa...

A expressão que inspirou o título deste blog é muito utilizada, mas pouco refletida. Talvez por conta de um outro dito popular: “o brasileiro tem memória curta”. Daí surgiu a idéia de reunirmos, aqui, notícias e comentários que podem nos ajudar a pensar com mais frequencia (e agir, na medida das nossas possibilidades), na busca de uma mudança para esse atual estado de coisas.

A nossa Constituição traz em seu preâmbulo o propósito de instituir “um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”; mas será que o Estado brasileiro nos assegura tudo isso? Ou muito disso? Ou, ao menos, um pouco disso?

Pagamos altíssimos impostos e contribuições, direta e indiretamente e, no entanto, quando queremos exercer tais direitos, temos de pagar: pedágio, para transitar por uma boa estrada; plano de previdência privada, por uma aposentadoria digna e mais tranquila; plano de saúde, por uma assistência médica de mínima qualidade; empresas especializadas em segurança (muitas vezes de propriedade de policiais que recebem do Estado salários pagos com os nossos impostos), para nos dar segurança!!!; escolas privadas, por ensino fundamental e médio de qualidade etecetera, etecetera, etecetera.

O Estado, pouco operante, na verdade parece um fim em si mesmo; o que arrecada, dizem, não é suficiente para cobrir seus próprios gastos, uns necessários, outros nem tanto, uns lícitos, outros ilícitos. E essa inércia não pode ser atribuída exclusivamente ao Poder Executivo, já que o Legislativo e o Judiciário também dão uma significativa parcela de contribuição para a manutenção desse cenário lamentável.